Aspectos jurídicos em respaldo dos locadores
Diante da pandemia de coronavírus (COVID-19), nas últimas semanas o Poder Judiciário tem sido procurado por inquilinos residenciais e comerciais, que tem buscado liminares visando a redução das obrigações, postergação de aluguéis, exoneração de multas e rescisões contratuais.
E é claro que o atendimento a estas demandas pelos juízes tem sido o mais variado e aleatório, aprofundando a insegurança jurídica e desestimulando a renegociação dos contratos.
É que o Princípio da Autonomia da Vontade deveria ser privilegiado, mesmo em momentos de crise, evitando a massificação de litígios, gastos processuais desnecessários e a infantilização de partes maiores e capazes pela tutela do Judiciário.
O principal problema das liminares que estão sendo deferidas pelos juízes, principalmente na primeira instância, é ignorar que os locadores não estão imunes à crise provocada pelo coronavírus e nem em situação econômica privilegiada.
Muitos proprietários dependem da renda dos aluguéis para suprir suas despesas e necessidades mais básicas. Há situações em que os locadores estão em situação de comprovada hipossuficiência econômica.
O inadimplemento ou redução do aluguel, por si só, já representa um risco desproporcional para os locadores. Mas ainda há outros que não estão sendo lembrados pelas imobiliárias, como a perda das garantias contratuais.
Veja que os fiadores podem não responder por renegociações ou decisões judiciais que representem uma posterior majoração do valor locatício, ou um acréscimo no tempo do contrato, em caso de suspensão de parcelas, por exemplo.
Da mesma forma, é preciso tomar cuidado com o seguro fiança, pois a suspensão ou diferimento das parcelas pode ultrapassar o prazo anual do seguro aluguel, significando que a seguradora vai se exonerar da prorrogação do contrato, e as locadoras vão perder mais esta garantia.
Já a garantia da caução pode ser usada para alcançar um bom acordo ou renegociação entre as partes, compensando a suspensão ou redução do aluguel com a queima da caução, desde que se estabeleça uma nova garantia posteriormente.
E na ausência de uma nova lei federal ou regime jurídico transitório, que regule os contratos em tempos de coronavírus, os juízes e advogados devem se pautar pelo Código Civil, que prevê diferentes normas de revisão contratual, como no caso dos artigos 317, 478 e 567.
Isto porque o instrumento revisional da Lei do Inquilinato (8.245/91) não é a via processual adequada neste momento, já que visa alcançar especificamente um “valor de mercado” sólido, que encontra-se derretido por conta da crise provocada pelo coronavírus. Não há mais certeza sobre o valor do m² em qualquer localidade do planeta!
Tendo o Código Civil como norte, qualquer revisão ou renegociação contratual precisa distinguir entre força maior e excessiva onerosidade do contrato.
Sendo bem sucinto, o caso fortuito ou força maior corresponde à impossibilidade material e objetiva no cumprimento da obrigação, causada por evento imprevisível que afete ambas as partes, não havendo QUALQUER possibilidade de dar continuidade ao contrato.
É uma situação diferente da excessiva onerosidade do contrato, em que o desequilíbrio contratual não impede sua continuidade, mas impõe a revisão e renegociação, sob pena de gerar extrema vantagem à outra parte.
A jurisprudência também não aceita como causa de rescisão ou revisão contratual o simples desequilíbrio patrimonial de uma das partes, que compromete a aptidão do devedor de honrar suas obrigações, afetando uma das partes do contrato, mas não o contrato em si.
Então não é toda e qualquer situação decorrente da crise do coronavírus que configura força maior, pois diferentes pessoas e contratos serão afetados de diferentes maneiras. Há contratos com cláusulas de álea normal ilimitada, em que as partes operam em condições de alto risco e afastam qualquer aplicação da Teoria da Imprevisão.
Da leitura dos artigos 317, 399 e 478 do Código Civil, podemos enumerar alguns requisitos para a revisão ou rescisão do contrato: a) que o contrato tenha longa duração; b) a ocorrência de evento extraordinário, superveniente, imprevisível, e não imputável a qualquer das partes; c) que o evento se estenda por tempo indeterminado; d) não basta que haja onerosidade, é necessária que a onerosidade seja excessiva a uma das partes e provoque extrema vantagem à outra; e) os contratantes não podem estar em mora.
O aluguel é uma obrigação de dar dinheiro. Os locadores não são obrigados a conceder isenção de aluguel neste período, pois a posse do bem continua com os locatários, ainda que o fato do príncipe impeça o uso da posse pelos locatários.
Mas pode ser que o contrato de aluguel seja vinculado ao faturamento da loja, como eventualmente adotado pelos shoppings. Neste caso, o locatário lojista poderá pleitear a isenção ou redução do aluguel, ou mesmo rescindir o contrato por completo, em razão da mudança da base contratual.
Em caso de rescisão, investimentos realizados pelos locatários não serão indenizados e nem as benfeitorias levantadas, vez que o locador não pode ser responsabilizado pela situação de força maior.
Ademais, as multas contratuais pela rescisão ou pelo simples atraso das prestações de aluguel continuam sendo devidas, eis que são perdas e danos pré-constituídas.
Enquanto isso, tramita na Câmara de Deputados o Projeto de Lei 1.179/2020, contendo regras transitórias de direito civil e de locação de imóveis, como a não concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março até 30 de outubro de 2020.
O melhor a fazer diante da crise do coronavírus pode ser renegociar os contratos amigavelmente, extrajudicialmente, como medida de boa-fé contratual. Esperamos que a suspensão do cumprimento das liminares de despejo e reintegração de posse adotada por muitos Tribunais, até o fim da política de isolamento social, sirva de estímulo à autocomposição e conciliação das partes.
Em respaldo dos clientes, o escritório Matos & Medina Sociedade de Advogados permanece à disposição para maiores esclarecimentos e para a correta orientação jurídica, evitando prejuízos desnecessários às partes.
São Paulo, 20 de abril de 2020
JULIANO JOSÉ FIGUEIREDO MATOS – OAB/SP n. 251.428
DIEGO BATELLA MEDINA – OAB/SP n. 293.532